Vamos mostrar aqui algumas situações inusitadas que provavelmente, se não repetidas, serão perdidas na história. Sim, forçaremos um pouco a barra em algumas situações. O Vasco não é o sol e o mundo não gira ao redor dele, mas de fato alguns acontecimentos aqui influenciaram a história do Brasil.
Aqui há 7 momentos em que o Vasco foi protagonista na política brasileira. E só um vascaíno para entender por que o Brasil está no lugar que está.
Vasco e a demissão do Ministro dos esportes Carlos Melles
Em 2002, o então ministro dos Esportes, Carlos Melles, era participante de uma das maiores brigas políticas dos esportes: a tentativa de expulsar Ricardo Teixeira da presidência da CBF. O ministro chegou a declarar que Teixeira iria renunciar à presidência da CBF, mas teve que deixar o governo antes de cumprir a meta.
Teixeira era odiado por Melles por dois motivos principais: estava sendo acusado em CPI por desviar fundos da CBF (livro CBF-Nike autoria dos deputados Sílvio Torres e Aldo Rebelo); e não forçava a escalação do Romário na Copa do Mundo de 2002.
Romário vivia um ótimo momento no Vasco e até o presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso pediu sua convocação à seleção, com o ministro reforçando esse pedido.
Nas transcrições feitas à Câmara dos Deputados, é notável como Romário era o ídolo que iria pôr o Brasil na Copa de 2002 e, devido a isso, os jornalistas perguntam: "O que acontecerá se o Brasil não for à Copa?". A resposta de Ricardo Teixeira está abaixo:
“Pra mim nada. Vocês é que vão ter problemas, que vocês não vão ter o que fazer. Eu sou um homem rico”
- Ricardo Teixeira
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No final, Melles não conseguiu expulsar Ricardo Teixeira e nem pôr Romário do Vasco na seleção. O Brasil conseguiu passar das eliminatórias, só com 3 pontos de diferença para o último; mas tudo bem, né? Fomos campeões mundiais.
Vasco e a eleição de Collor
O que é pior que causar a demissão de um ministro? Ser o motivo de um presidente não ser eleito. Na final do Campeonato Brasileiro de 1989, entre Vasco e São Paulo, o então candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva declarou torcida pelo Vasco. Isso gerou forte reação da torcida do São Paulo, que o vaiou intensamente em sua campanha. O episódio é contado no livro "Notícias do Planalto", do jornalista Mário Sérgio Conti.
“Lula foi recebido com uma estrondosa vaia e gritos de "Au, au, au, Lula pro Mobral" e "Brasil, urgente, Lula pra semente!". O candidato não aguentou e deixou o estádio quando terminou o primeiro tempo. Considerou a vaia no Morumbi o pior momento da campanha e um dos fatos mais degradantes da sua vida”
- Notícias do Planalto
A situação foi amplamente divulgada e explorada politicamente, contribuindo para sua derrota para Fernando Collor nas eleições de 1989 — a primeira eleição direta para presidente após a ditadura.
São Januário e Getúlio Vargas
O Estádio de São Januário, construído com doações da comunidade portuguesa e sem apoio estatal, foi palco de vários discursos políticos ao longo do século XX. Desde sua criação em 1927, São Januário foi o maior palco da América Latina até 1930 (perdendo em capacidade para o Estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai), o maior palco do Brasil até 1940 (perdendo em capacidade para o Pacaembu, em São Paulo) e o maior estádio do Rio de Janeiro até 1950 (perdendo em capacidade para o Maracanã).
Na década de 1940, o presidente Getúlio Vargas usou São Januário como palanque para anunciar medidas trabalhistas históricas, como a criação do salário mínimo (1940) e a Justiça do Trabalho (1941). Era seu principal palco de ligação com os trabalhadores do Brasil, estando presente em cinco oportunidades nas comemorações de 1.º de maio (1940, 1941, 1945, 1951 e 1952). Vargas sabia do apelo popular do Vasco e escolheu o estádio para discursos emocionados, ligando suas políticas ao "espírito de luta" do clube: um clube que lutou para fazer seu próprio estádio e lutou contra o racismo.
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Não parou em Getúlio, São Januário também foi utilizado por Juscelino Kubitschek, Luís Carlos Prestes, Jânio Quadros e Leonel Brizola e até na briga pelas Diretas Já.
Lula e o Vasco
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva frequentemente mencionou o Vasco da Gama em seus discursos, destacando sua admiração pelo clube e sua importância histórica. Embora seja torcedor declarado do Corinthians em São Paulo, Lula afirma ser vascaíno no Rio de Janeiro, ressaltando o papel pioneiro do Vasco na inclusão de jogadores negros no futebol brasileiro. Aqui a transcrição de um de seus discursos:
“Eu já fui vaiado muitas vezes porque eu defendi o Vasco numa reunião que tinha mais flamenguista do que vascaíno, mas eu acho que a minha relação com o Vasco é por conta do papel do Vasco na história dos negros no Brasil. Eu acho que foi isso o que me fez virar vascaíno.”
- Lula
Em maio de 2020, durante a pandemia de COVID-19, ele participou de uma campanha para ajudar os ambulantes de São Januário, estádio do Vasco, destacando a importância da solidariedade. Com o estádio fechado, os ambulantes perderam renda:
“Companheiros que fazem parte da gloriosa torcida do Vasco da Gama, a maior do Rio de Janeiro. Acabei de assistir uma gravação da Teresa Cristina, nossa querida cantora, pedindo ajuda, doações de cesta básica, para os ambulantes que trabalham no Vasco.”
- Lula
Lembrando de haver uma "coincidência" de Bolsonaro ter vestido a camisa do Flamengo um pouco antes de Lula chamar o Vasco de "Maior do Rio de Janeiro".
Vasco e a Lei Afonso Arinos
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Em 1924, a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) exigiu que o Vasco excluísse 12 jogadores do seu elenco, acusando-os de “profissionais” ou “sem nível social”... mas, na verdade, por serem negros, mestiços e/ou operários. O presidente do Vasco, José Augusto Prestes, respondeu com a famosa “Resposta Histórica”, recusando-se a excluir os jogadores e afirmando que o clube não abriria mão de sua identidade popular.
“Recusamo-nos a tomar parte num desporto que se organiza contra os princípios democráticos que nos regem”
- Trecho da Resposta Histórica
Foi um dos primeiros gestos institucionais contra o racismo no Brasil, décadas antes da Lei Afonso Arinos (1951). O Vasco se tornou um símbolo de inclusão e resistência à elite racista do futebol da época.
A Lei Afonso Arinos (Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951) foi a primeira lei brasileira a criminalizar o racismo, tornando a discriminação racial uma contravenção penal. Ela estabelecia penas para quem recusasse atendimento em locais públicos ou privados, ou impedisse a matrícula em estabelecimentos de ensino por preconceito de raça ou cor.
Vasco, MPB e Ditadura
O Vasco é um dos poucos clubes a se manifestar publicamente contra a ditadura e a favor da democracia, homenageando o compositor vascaíno Aldir Blanc, principalmente no aniversário de 60 anos do golpe em 2024. A chama do movimento popular ainda vive.
Aldir Blanc escreveu o livro Vasco: a Cruz do Bacalhau. O livro ressalta como o Vasco foi palco de discursos trabalhistas (como os de Getúlio Vargas) e como sua história se entrelaça com a luta por inclusão social no Brasil. Em parceria com João Bosco, compôs músicas como "Bêbado e o Equilibrista", "Coração Verde e Amarelo" e diversas outras marcantes da história do Brasil.
“Naquela tarde, aos dez anos, não esquecerei: / Fui para a Rua dos Artistas / Me gripei, caí de cama, / Doido, com 40 graus / Encolhido dentro de um pijama / Contraí esta doença: ser Vasco da Gama.”
- Aldir Blanc à revista Placar
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Para terminar, Vasco e o Óbvio
Vamos só comentar o óbvio: Eurico Miranda foi político assim como Romário é político. Dois vascaínos que participam/participaram ativamente da política brasileira.
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